sexta-feira, 13 de março de 2009

O amor, contado por uma mulher especial


Leonardo e Ramona, ele um homem de coragem e ela uma mulher especial.


Desde pequena, quando tomei consciência da minha condição, do meu problema, eu sabia que demoraria pra ter "meu" homem. Sempre fui e me entendi como heterossexual (pois é, existem disfóricas lésbicas sim, afinal, gênero é diferente de sexo), senti muita falta desse homem, muitas vezes o quis ao meu lado, quantas vezes não rezava pedindo pra Deus separar um totalmente especial pra mim, quando na adolescência as amiguinhas da escola começaram a ter seus namorinhos, ficavam, davam beijo e eu, ainda presa na condição antiga, nao podia sequer me dar ao luxo dessas descobertas.

Uma coisa que sempre adorei desde pequena, foi ver no folheto da Americanas aqueles modelos de cueca! Ridiculo, mas eu gostava! Ficava pensando no meu namorado usando cuecas, pq eu adoro cueca e homem de cueca pra mim, é a coisa mais linda. Guardava esses folhetos e propagandas em revistas no guarda-roupa, tdo muito escondido. Até que a idade foi passando, a maturidade chegando, a transição começando.

A Dra. Martha, da Gendercare sempre dizia que não podia arrumar namorado nos primeiros dois anos de tratamento, pois era a chamada fase borboleta, q só ia me atrapalhar, que eles podiam judiar de mim, ou coisas piores. Eu, apesar de frustrada concordei. Fiquei quietinha no meu mundo, vivendo androgenamente e sufocando as minhas vontades. Até que fazendo cursinho pro vestibular, um amigo reparou q eu era diferente, tinha meu charme, minha feminilidade, mas ele nao entendia essa atração que sentia por mim, até que uma vez saindo da aula fomos pra um barzinho e lá eu conversei com ele, contei tudo, era a primeira vez q eu falava da Sarah (que estava em construção) com um homem. A reação dele, naturalmente, foi afastar-se de mim, mas de forma educada, gentil, compreendendo a complexidade da situação e que realmente, ainda nao era hora.

Sempre achei e acho que é quase uma unanimidade, nós com a nossa condição somos carentes, queremos carinho e afeto, venha de que fonte for, mas acima de tudo, anseamos pelo nosso companheiro(a). Ele nos fortaleceria, nos encorajaria, ajudaria nos momentos difíceis, e estando sempre ali pra nos proteger. Mas, decorrente dessa fase borboleta, dos tarados T-Lovers e das histórias horriveis que ouviamos as mais experientes contarem, quando o meu homem chegou, eu tinha uma barreira tao forte, uma resistencia tao grande a relacionamento, que ele só nao desistiu pq realmente foi determinado.

Tinha tudo pra dar errado, pra ser errado, afinal, o conheci numa sala de bate-papo do UOL, eu sabia que na internet só havia mentiras e sacanagem. Ele batalhou, disse que não ia desistir, que ia me conquistar, que ia me provar que eu estava errada, que ia roubar meu coração. Eu ria, achava graça, e nao botava fé, até ouvir sua voz... quando ele me ligou e eu ouvi sua voz e ele me repetiu tudo aquilo, ali, eu balancei, tremi e senti que a parede-de-contenção, estava ruindo. Foram três meses, de conquista, de conversa, até nos encontrarmos.

Ele foi a melhor coisa que podia ter acontecido na minha transição e na época certa (ja estava perto do seu fim). Apesar de tímido, sempre se mostrou compreensivo, encorajador, valente... ali, nele, nos ombros dele, eu tive todo o suporte, o apoio... meus pais passaram a encarar os fatos com outros olhos a partir da chegada dele, a cirurgia CRS veio mais cedo também por influência dele, assim como eu digo e repito, muito do que aprendi em ser mulher, foi com ele, pra ele, por nós. Fazer amor vencendo as barreiras da vergonha, da repulsa ao corpo problematico, o eventuais preconceitos ou ofensas, não dá pra imaginar um homem qualquer passando por tdo isso. Eu e ele vivemos ambos anônimamente, sempre, e assim tivemos felicidade e muitos momentos de pura realização e apoio mútuo.

Dessa forma eu entendo e digo, por experiência própria, ter um companheiro, pra uma mulher especial, é a felicidade máxima, maior que pra uma mulher "normal", o "encontrar alguém" que finalmente te entenda, que te apoie, que olhe pra vc e acredite em quem vc é de verdade... eu não acho palavra pra expressar essa sensação, talvez a mais forte e poderosa sirva... Amor, né?

Ps. Leonardo (Alexandre Borges) e Ramona (Cláudia Raia), casal na novela "As Filhas da Mãe", onde Ramona era uma disfórica já operada e Leonardo passou a novela toda tentando negar seu amor por ela, e no final, terminaram juntos e felizes.

4 comentários:

Karen Cunha disse...

gente, essa novela era muito ousada, né?
Lembro que encomendaram uma pesquisa na época descobriram que 80% da população nao entendia o que era transexual, logo, não faziam idéia do que se tratava a trama.

Amanda Rocha disse...

Adorei o seu texto, além de bem escrito demonstra sensibilidade. Aliás já fazia um tempo que não visitava o seu blog ( muita correria)e achei lindos os últimos textos, principalmente aquele das saudades ( me identifiquei bastante com ele ^.^). Muito obrigada pelo comentário que vc deixou no meu blog.
Bjx.

Sarah disse...

Pois é Karen, lembro q na epoca o ministerio publico nao queria permitir a novela no horario das 19hs pela tematica "forte", pura ignorancia. A Claudia foi formidavel e ajudou mto a desenvolver a questao! Adoraria uma personagem como a Ramona numa novela das 8.

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Amanda! Tb adoro seus textos, entendo tdo q vc passa e sente, e noq posso ajudar, com palavras, conte sempre com isso. Obrigada pelos elogios. Bjs

Anônimo disse...

Não tenho nem palavras pra dizer o que eu senti lendo este post. Também, nem precisa né? Vc já usou todas... Mais uma vez, show de sensibilidade e expressão. Obrigada por vc existir na minha vida e por colocar meus sentimentos pra fora em palavras, rsrsrsrs. Te amo amiga d-_-b

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